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Artigo adicionado em 13/11/2006, às 11:50

CINE PARADISO NA VIDA REAL
Leia a entrevista com o senhor Juca, um verdadeiro apaixonado pela sétima arte. :: Entenda mais sobre os seriados antigos Acontece na vida. Acontece nos filmes. O slogan daquele canal a cabo cai como uma luva na vida de José Ildefonso Lima, 64 anos, que declara pra quem quiser ouvir que é um amante da […]

Por
Francine "Sra. Ni" Guilen


:: Entenda mais sobre os seriados antigos

Acontece na vida. Acontece nos filmes. O slogan daquele canal a cabo cai como uma luva na vida de José Ildefonso Lima, 64 anos, que declara pra quem quiser ouvir que é um amante da sétima arte. Senhor Juca, como é mais conhecido, é um colecionador de filmes apaixonado pelo cinema, residente na cidade de Coqueiral, no Sul de Minas Gerais. Ele trabalhou na cabine de projeção do cinema de sua cidade quando era criança, e hoje, 50 anos depois, se dedica à sua coleção de fitas de clássicos do cinema e principalmente à sua coleção de frames (quadrinhos recortados por ele diretamente dos rolos dos filmes que exibia quando era novo). Se você já assistiu ao clássico filme italiano Cinema Paradiso, deve se lembrar do seu protagonista, Salvatore, um menino que cresceu cercado pelo cinema, e que tinha como tutor Alfredo (Philippe Noiret), operador do cinema local, o Cinema Paradiso. A vida do seo Juca não foi muito diferente da vida do protagonista desse filme, e ele tem tantas histórias pra contar que nós d’A ARCA não poderíamos deixar de transmiti-las pra você, caro leitor, que, se for apaixonado pelo cinema, muito provavelmente vai querer entrar para a lista de adoção que o Zarko começou na última questão dessa entrevista :). Acompanhe a entrevista que este cinematográfico senhor nos concedeu, falando sobre suas histórias, sobre a situação do cinema atualmente e sobre os tais seriados antigos sobre os quais o Zarko já comentou aqui.

A ARCA: Com qual idade o senhor trabalhou no cinema? O que fazia lá?
JUCA:
Eu comecei a trabalhar no cinema quando tinha 10 anos. Foi aproximadamente no ano de 1950. Comecei a trabalhar no cinema pra varrer. E como os filmes que nós exibíamos em rolos de 35mm vinham de Varginha em apenas um ônibus, nós tínhamos que pegar esses rolos e fazer uma revisão prévia, tirar os filmes das latas, passar para as bobinas e depois virar o rolo pra ficar em condição de ser exibido nos aparelhos. E eu fazia isto. Primeiramente eu entrei pra varrer o cinema, e depois pra transportar as latas, revisar o filme, virá-lo para o operador das máquinas.

AA: Qual é a lembrança mais marcante que o senhor tem da época em que trabalhava no cinema?
J:
O que mais me marcou era a dificuldade de conseguir dinheiro pra ir ao cinema. Eu pagava dois cruzeiros e quando não tinha o dinheiro eu até roubava do meu pai – não tenho vergonha de falar isso – eu roubava mesmo, porque não tinha como ganhar dinheiro. Eu tinha 10, 12 anos, mais ou menos, e quando chegava na hora do matinê eu fazia de tudo. Eu me lembro muito bem que eu me ofereci para o proprietário do cinema para varrer o cinema, que era uma coisa muito difícil – as cadeiras eram parafusadas no solo, a gente tinha que varrer uma por uma, todas as cadeiras, e eu fazia isso para que ele deixasse eu entrar pra ver os filmes faroestes e os seriados. Isso no ano de 52, por aí. Existe uma coisa curiosa: no ano de 1952 minha família teve que ir para Belo Horizonte pra cuidar de uma minha irmã que estava muito mal. E nós tivemos que mudar pra Belo Horizonte. Foi meu pai, minha mãe, todo mundo, e eu não fui. Imagine porque! …Porque estava passando o seriado do Flash Gordon. E eu não quis ir. Não fui. Toda minha família foi morar em Belo Horizonte no bairro de Santa Teresa, e eu fiquei em Coqueiral. Eu e meu irmão. Meu pai, minha mãe e minhas irmãs foram, mas eu não perdi o seriado do Flash Gordon.

AA: Quantos cinemas existem agora em Coqueiral?
J:
Atualmente, infelizmente não existe nenhum. O proprietário do cinema vendeu para uma outra pessoa, e essa pessoa ficou pouco tempo com ele. Logo surgiu a televisão e foi tirando a assistência aos cinemas e hoje não existe cinema na minha cidade, que é Coqueiral. Onde era o cinema, hoje em dia é uma casa de móveis. Eu me lembro quando os aparelhos foram embora, eu fui lá no cinema e cheguei a chorar dentro do cinema, vendo ele todo empoeirado. Subi lá na cabine e chorei mesmo, não tenho vergonha de dizer.

AA: O senhor tem uma bela coleção de frames (pedacinhos de filme recortados do rolo original). De onde surgiu a idéia de colecionar isso?
J:
Isso é uma coisa muito curiosa. Quem gosta, gosta mesmo. Os filmes vinham em latas e a gente pegava o rolo, que era aproximadamente de uns 25 cm, e para que não aparecessem aquelas letras, aqueles rabiscos, aqueles “X” que se faziam no começo do filme, a gente cortava essa parte. Deixava um quadrinho junto com aquela ponta de aproximadamente uns 70 cm, cortava o fim de um rolo e o início de outro, e emendava um rolo no outro para, na hora da projeção, não ter que ficar trocando o filme. Quando terminava a projeção, nós tínhamos que procurar aquele lugar onde eu fazia as emendas e procurar aquele mesmo pedaço que anteriormente estava colado. A gente deixava um quadrinho colado na ponta daquele filme pra saber qual era que ia colar novamente. Na hora de colar, existia uma máquina, que nós chamávamos de emendadeira – essa máquina cortava este quadrinho identificado por nos. E eu comecei a guardar esses quadrinhos, que passaram a ter muito valor. Com o tempo, eu fui ficando apaixonado pelos quadrinhos, e passei a “mutilar”. O que é isso? Quando eu via uma cena, digamos, o Durango Kid empinando o cavalo, o Johnny Mack Brown, o Tex Avery, o Buck Rogers, e outros mais, o Zorro empinando cavalo, e coisas que meninos gostavam, eu pegava um pedacinho de papel, mais ou menos aí de uns 3 cm e colocava ali naquele exato lugar. E o rolo ia emendando e ficava aquele papelzinho rodando no rolo e marcava. Quando eu ia virar o filme, parava ali naquele lugar onde tinha aquele papelzinho e mutilava o filme. Eu tirava quatro quadrinhos – estou dizendo baixinho aqui pra ninguém descobrir que fui eu que fazia isso. Nunca descobriram. E eu mutilava o filme, tirava quatro quadrinhos – nós sabemos que isso não representa absolutamente nada. E eu fui juntando isto. E com o tempo, eu passei a explorar a meninada. Trocava um quadrinho desse em troca de papagaios, em troca de mangas, em troca de doces, em troca de outros brinquedos, eu cheguei a trocar quadrinho em troca de meia, em troca de pente… Trocava, porque a gente não tinha dinheiro. E todos os meninos passaram a colecionar os quadrinhos. O que acontecia? Todos os meninos passaram a dar um valor inestimável nesses quadrinhos. E a gente trocava. E apenas eu, apenas eu, conseguia esses quadrinhos, porque eu trabalhava no cinema… e quando a matinê acabava, às vezes ficavam dez meninos. Quando eu saía na rua, todos me esperando e me perguntavam: “o que você tem dessa vez?”. Aí eu ia mostrar os quadrinhos. Acontece que eu mutilava, ficava com um e só tinha três para trocar. Um queria, o outro queria, outro queria, e era assim. E nós vivíamos a nossa vida colecionando quadrinhos. E eu fiquei apaixonado.

AA: Quantos filmes o senhor tem na coleção? Nunca pensou em vendê-los ou passar pra DVD?
J:
Aproximadamente uns, digamos, uns 500 filmes, mais ou menos. Tudo em VHS e em DVD, filme mesmo eu não tenho nenhum. Já pensei em passar pra DVD, mas nunca pensei em vendê-los. Eu faço trocas, porque tem coisa que a gente não pode dispor, e sei que existem leis que proíbem a venda. Eu nunca pensei em vendê-los. Agora trocar, a gente troca sim, com outros colecionadores.

AA: As fitas que o senhor tem dos seriados são da época em que foram exibidas no cinema ou são gravadas da TV?
J:
São daquela época. É uma condição essencial pra nós, os colecionadores, a originalidade. Quer dizer, os seriados que eu tenho hoje são os originais. Obviamente, foram passados para as fitas de VHS. Mas foram extraídos daquelas cópias antigas de 1940, 42, 48, 50 etc. São originais.

AA: Sabemos que os seriados (também conhecidos como serials) representaram uma febre sem precedentes e um avanço tecnológico impressionante na arte de se fazer filmes, ainda que este movimento tenha sido mais intenso lá fora. Como era a freqüência destes seriados aqui no Brasil? O senhor chegou a acompanhar alguma serial na telona?
J:
Acompanhei. Eu tenho a relação de todos os seriados que foram exibidos nos nossos cinemas. Tenho o título, tenho os diretores, sinopse… E eu lembro de todos eles, que eu exibi, guardo na minha mente nitidamente, perfeitamente, o nome dos atores, e a história… se for pra eu descrever hoje eu faço com a maior facilidade, os seriados do cinema. Geralmente eram de 15 episódios e de 13 episódios aproximadamente. Muitos seriados, muitos, passaram pelo cinema. A freqüência era todo sábado. Era exibido geralmente um filme faroeste e um episódio do seriado. Quando era no outro dia, no matinê, às 14h, era exibido novamente. Quando era na segunda feira, nós embalávamos os filmes, os seriados, colocávamos nas latas, e o ônibus levava para Varginha, e de Varginha levava para Soledade de Minas através da Rede Mineira de Viação. E os filmes vinham da distribuidora da cidade de Soledade para Varginha, eles punham a lata de filme no ônibus, que chegava a nós e nós devolvíamos. E era essa mesma peregrinação. Quinta e sábado.

AA: Esses seriados clássicos se utilizavam bastante da técnica de “cliffhanger”, que nada mais é que um suspense ao final de cada episódio, funcionando como um “gancho” que deixa o espectador na curiosidade pra assistir à próxima seqüência; Qual o cliffhanger que lhe deixou mais aflito e mais desesperado para saber o que acontece depois?
J:
Ah, isso acontecia demais, demais. E a turma gritava dentro do matinê, e quando ia chegando aquela hora, aparecia o gongo escrito “Voltem na próxima semana para ver a continuação”. Aí todo mundo falava “Oooooooooooh”, era aquela tristeza. Mas, olhe, quando o Capitão Marvel, no finzinho do seriado, conseguiu pegar o chefão dos bandidos, que era um mascarado feio, usava uma roupa preta – ele era chamado como O Mago – então ele segurou o bandidão, e nem ele, o Capitão Marvel, sabia quem era o elemento que estava por debaixo daquela máscara. Então ele disse, segurando o bandido, e ele disse: “Agora eu vou ver quem é O Mago”. Aí, acabou: Voltem na próxima semana para verem a continuação”. Isso aí dava um suspense na gente, eu me lembro muito bem desse seriado, dessa parte. Também me lembro de quando o Flash Gordon estava lutando numa nave espacial, e um bandido deu um murro nele, e ele bateu na porta da nave e caiu. E a gente via o Flash Gordon caindo, caindo, falava “vai morrer”, e aí… “Voltem na próxima semana”. Isso aí eu também me lembro muito bem. – agora, o Flash Gordon, ele foi de sorte, porque tinha um fazendeiro que estava colhendo feno e tinha um monte de feno muito grande, e o Flash Gordon caiu em cima do monte de feno. E aí ele não morreu, só sujou a roupa um pouquinho.

AA: Qual é a sua serial preferida? E seu herói preferido? Por quê?
J:
É muito difícil, muito difícil. Todos eles eram bons demais. Mas eu me lembro muito bem do seriado O Homem de Aço, o famoso Capitão Marvel. Me lembro A Volta do Homem Morcego, com Robert Lowery. Dos três seriados do Flash Gordon, (a série é Flash Gordon Conquistando o Mundo, Flash Gordon no Planeta Marte e Flash Gordon no Planeta Mongo). Lembro-me também dos Tambores de Fu Manchu. Lembro-me dos três seriados do Homem Foguete, lembro-me do Vale dos Desaparecidos, do famoso Richard Carlson, Maravilhoso Mascarado e muitos e muitos e muitos outros. Esses aqui eram muito bons, a gente gostava muito. O herói preferido, ah, não resta dúvida, né, é o Capitão Marvel, vivido pelo Tom Tyler. E tem também o Flash Gordon, o Buster Crabbe. Eles falavam a minha língua. Eram super-heróis, homens que voavam, homens de aço… o Flash Gordon, por exemplo, ele ia para Marte, ele ia para naves espaciais, para a Lua, para o Planeta Mongo, e isto me fascinava. Eu não era muito chegado a western não, eu não dava muito valor. Mas tudo aquilo que era o científico, aviões, foguetes, eu gostava muito. E tem muitos aqui que a gente pode escrever, mas que me falha a memória no momento.

AA: E com relação à produção nacional da época, como “Vigilante Rodoviário”… o senhor chegou a acompanhar?
J:
Não. Brasileiro, não. Tem alguns que eu já ouvi falar, como esse O Vigilante Rodoviário, mas eu não tinha mais aquela paixão. Uma vez, que quando O Vigilante Rodoviário estava no auge eu já era moço e não me detinha mais nesses seriados que não justificavam mais com a minha idade e o meu gosto.

AA: Há alguma seqüência de algum filme que consiga deixar o senhor absolutamente hipnotizado? Qual é a seqüência mais marcante para o senhor?
J:
Muita coisa, muita coisa. Eu quando tinha 13 anos, 12 anos, eu assisti um filme chamado Frinéia A Cortesã do Oriente. Eu tinha uns 12 anos. E eu me lembro muito bem que um tribuno romano queria condená-la. Eles queriam condená-la, julgando-a feiticeira ou uma mística, e o tribuno mostrou para o povo que ela era bonita demais pra morrer. E aí ela de costas, estava com uma túnica, e ele tirou a túnica da Frinéia A Cortesã do Oriente, e deixou ela totalmente nua, de costas. E aquilo, eu não sei se me machucou, se me endeusou muito, aquilo ficou muito marcado, porque foi a primeira vez que eu vi uma mulher sem roupa. E ela era muito bonita, eu já tinha até me apaixonado por ela. E isso aí me marcou demais. O julgamento da Frinéia, a cortesã do oriente, e eu tenho esse filme até hoje. Agora, hoje, a gente vê aquela cena e não representa nada, é uma coisa simples como o Lobo Mau, Chapeuzinho Vermelho e tudo mais.

AA: Além de ser colecionador de fitas de filme, discos de vinil e quadrinhos antigos, eu soube que o senhor ainda dá uma de inventor de vez em quando, montando aparelhos a partir de restos de maquinários antigos. Quais os aparelhos que o senhor inventou para cuidar de suas coleções?
J:
Não é bem invenção. Qualquer pessoa que gosta de alguma coisa sempre descobre uma maneira mais prática, mais fácil, de fazer alguma coisa. No caso das fitas de vídeo, a gente sabe que o fungo danifica muito o cabeçote. Eu criei uma forma de limpar a fita de vídeo. Eu fiz diversas polias fixas e a fita sendo puxada por um motor de toca-discos, e diversos pontos fixos revestidos com feltro. Aquela fita vai passando de um lado e de outro até enrolar no rolo da frente, e ela passa como se fosse umas roletas. E a fita, quando chega lá na frente, ela já está completamente limpa. Ela sai, passa entre as roletas, e volta de lá já limpinha.

AA: Mas essa história de criar coisas já é antiga, não? Fiquei sabendo que o senhor, quando era mais novo, já tentou inventar alguma coisa pra conseguir voar. Confere?
J:
É, realmente. Eu toda vida trabalhei em marcenaria. E eu vi o Capitão Marvel voando, e o que eu fiz? Eu fiz um bonequinho de madeira de aproximadamente uns 30 cm e da mesma forma, fiz as mãozinhas estendidas, a cabeça, as perninhas, arrumei um pezinho para ele, pintei, fiz o rosto do Capitão Marvel e fiz uma capinha vermelha… Mas e pra fazer ele voar é que era o difícil. O que é que eu fiz? Eu fiz de madeira, peguei um gancho – um ganchinho desses de quadros, de fotografia – e fixei esse ganchinho na cabecinha do Capitão Marvel e também na cintura. E eu passei um cordão através daquele ganchinho, e eu me lembro que subia em uma mangueira que tinha no fundo do quintal da minha casa, e prendia um cordão lá no alto da mangueira, e esse cordão era preso na minha casa do outro lado do quintal. E eu subia em cima da mangueira e soltava aquele bonequinho. Ele ia deslizando amarrado, como se estivesse voando. Da mesma forma que o Capitão Marvel voava, eu fazia o meu bonequinho voar de cima da mangueira até a janela da minha casa. E eu tentei fazer isso também. Eu tentei construir como se fosse um balão, de aproximadamente aí uns 1,80m, como se fosse um arco de flecha em forma de cruz, arrumei um papelão e um plástico muito forte, fixei aquilo e coloquei por baixo uma forma da gente segurar, e pensei “se isso é em forma de um barco, se eu der um pulo é provável que essa sombrinha, digamos assim, esse pára quedas, me segure no ar. Se eu der um pulo, é sinal de que isso vai me jogar pra frente”. E eu fiz um teste. Eu me lembro muito bem. Eu subi numa cadeira, pulava, assim avançava um pouquinho. Depois eu subia num lugar maior, e avançava um metro. Aí eu subi em cima de um muro, e eu avançava aí 3 metros. E aí eu tive uma idéia louca. Nós tínhamos um sítio, e tinha uma cavidade feita pela enxurrada, e aquilo foi aumentando, aumentando, ficou muito fundo – uma erosão. E eu pensei: “eu vou pular isso aqui voando igual o Capitão Marvel”. Então eu segurei, eu confeccionei um balão maior – e saí correndo, bati os pés no chão, e consegui pular do outro lado. É claro que eu quase caí dentro do buraco, mas eu consegui pular o buraco de aproximadamente aí uns 5 metros, quase, voando como se fosse o Capitão Marvel. Eu não tenho coragem de fazer isso de novo.

AA: Qual o filme mais antigo da sua coleção?
J:
É muito difícil, mas eu tenho um filme aqui chamado Cleópatra, é com a Claudette Colbert, em branco e preto, e acho que é um dos mais antigos que eu tenho. Deve ser de antes de 1930, e eu tenho ele em VHS. A cópia não está boa, mas eu acho que é um dos mais antigos que eu tenho.

AA: Há alguma relíquia que o senhor não consegue nem mesmo pensar em se desfazer? Alguma de valor sentimental inestimável?
J:
Ah tenho, tenho sim. Eu tenho todos os quadrinhos que eu brincava quando eu era menino. Inclusive no ano de 1952 eu fui a Belo Horizonte a primeira vez, quando eu tinha 10 anos, e descobri alguns meninos lá que tinham quadrinhos lá no Bairro Santa Tereza, e eu consegui esses quadrinhos – que hoje a gente chama de monograma – e eu guardo isso até hoje, do ano de 1952. E esses quadrinhos os quais eu mutilava dos filmes, eu tenho todos guardados. Hoje eu estou com 64 anos, e os quadrinhos que eu mutilava os filmes no ano aí de 53, 54, por aí, eu tenho todos guardados. E o que é que eu fiz? Eu limpei esses quadrinhos, colei um ao outro e coloquei aquilo dentro de um vidro de aproximadamente uns 30x20cm e passei um lacre por fora só pra ninguém pôr a mão nesses meus quadrinhos. Este é um serviço que eu tenho e me orgulho muito. Mostro, já mostrei pra diversos colecionadores, e eu guardo isso com muito carinho, com muita estima. E eu sou fotógrafo na atualidade. Eu tenho condição de fazer fotografia. E esses quadrinhos, os mais importantes, eu passei todos eles para fotografia 9×12 cm, branco e preto, e eu tenho em poder aqueles do Flash Gordon, do Batman etc, e eu tenho todos eles em fotografias, em álbuns, à disposição de qualquer pessoa que queira ver.

AA: O senhor se interessa em assistir a documentários de bastidores ou prefere ver os filmes já prontos? Já pensou em fazer algum filme alguma vez na vida?
J:
Eu tenho interesse, eu tenho gravados diversos documentários sobre Flash Gordon, sobre Fu Manchu, sobre Homem Foguete… eu tenho diversos e acho interessante, mas eu me interesso mais mesmo é no filme, no seriado. Não, eu nunca pensei nisso, isso não é o meu sonho. O meu negócio é ver aquilo que eles fizeram.

AA: Qual das partes da produção de um filme o senhor valoriza mais? (roteiro, direção, atuação)…
J:
É um conjunto de valores, né? Se o filme tem muita ação mas não tem assim uma história, não fica atraente. Agora, tem que ter ação. Dizendo, assim, um menino raciocinando, tem que ter bandido, tem que ter cavalo, tem que ter muito tiro, tem que ter muita luta, o mocinho tem que entrar dentro do bar e dar o tiro no copo de uísque do bandido e coisas assim, e não pode perder no tapa, ele tem que sempre ganhar na luta. Atuação também é importante. Existem alguns atores, vamos citar o exemplo no caso Durango Kidd, o Durango Kidd nunca perdeu uma luta. O Durango Kidd nunca perdeu um tiro. O Durango Kidd, do chão, ele montava o seu cavalo, de cima do seu cavalo ele pulava no chão… Agora outros atores já não faziam isso. Então, o Durango Kidd, o Alan James, o Rex Avery e o Tim Holt… Tim Holt era extraordinário, e muitos outros.

AA: Sabemos que os seriados de TV atuais, tanto do gênero de ação quanto de outros gêneros, sofreram forte influência das serials, tanto em estrutura narrativa quanto no hoje batido uso do cliffhanger para unir um capítulo a outro e, como conseqüência, prender a atenção do público. O senhor acompanha seriados de TV? Qual o seu preferido?
J:
Não acompanho, porque mudou. Eu acompanho muito filmes, mas os seriados estão completamente fora daquilo que eu gostava. Eu sou muito saudosista, gosto muito de filmes e de músicas antigas também, mas são coisas daquela época. Com a minha idade, a gente não se adapta mais aos costumes da atualidade, porque a minha vivência… o tempo da infância, o tempo dos sonhos, e esse tempo eu tenho na mente, e eu vivo muito bem quando mexo com essas coisas. Vivo feliz. Eu me sinto, apesar da minha idade, quando eu vejo um filme do Durango Kidd, por exemplo, eu me sinto dentro do cinema. Por exemplo Durango Kidd eu devo ter uns 30 filmes. E Tim Holt, por exemplo, eu tenho todos os filmes que eu já vi até hoje. E coisas assim. Seriados do Batman etc, tem muitas firmas que vendem e eu me torno criança os assistindo. E é uma parte boa também, porque a velha Bíblia disse que o homem que não se transforma como criança não pode ver o Reino de Deus. Então eu acho que me transformo em criança. Eu quando vejo aquele bandido dando tiro, não fico pensando em assassinato. Não, eu estou pensando que o mocinho está apenas fazendo um favor para a sociedade, eliminando os maus elementos para que o mundo continue – ou continuasse – a ser um mundo ideal pra se viver.

AA: O que o senhor acha do recente interesse e a conseqüente revitalização de super-heróis dos gibis antigos na produção cinematográfica de hoje? O senhor acha que esta febre de heróis no cinema pode despertar o interesse do espectador jovem de hoje nas antigas produções de aventura?
J:
Talvez sim, talvez não. Aí depende do grau de exigência de cada um. No meu caso particular, eu não consigo me adaptar a não ser naquilo que eu via. Aquilo que eu via na tela no meu tempo de menino, sou apaixonado e isso me desperta muito a atenção. Agora atualmente eu não tenho certeza – mas eu tenho impressão que não – eles chamam de “coisa ridícula”. Alguns chamam de “babaquice”, “coisas absurdas”, onde já se viu uma pessoa sair de uma nave espacial e cair num monte de feno? Os meninos de hoje, eu tenho a impressão de que eles não conseguem mais se adaptar a isso. Eu me lembro que eu era apaixonado pelo Flash Gordon. O meu irmão que morava em São Paulo me comunicou que tinha um cinema, me parece que era um cineminha do Sesc, que ia passar o seriado do Flash Gordon, o seriado completo, todos os capítulos, e era de graça. A minha cidade fica muito distante de São Paulo, e o que eu fiz? Fui a São Paulo de ônibus, viajei quase a tarde inteira, saí de manhã aqui, às 7 da manhã, e cheguei em São Paulo às 15h da tarde para ver o seriado do Flash Gordon, somente para ver. Mas aí eu já era adulto, não era criança mais. Já era casado e já tinha filhos. É uma paixão que a gente tem, e tenho até hoje.

AA: O novo filme do Superman recebeu algumas críticas de fãs, por retratar o Homem de Aço com o mesmo ar de inocência que o caracterizava nos filmes e também nas histórias antigas – afinal, hoje em dia os heróis, em sua grande maioria, têm vários desvios de caráter e são geralmente perturbados por diversos dilemas. O senhor acha que o público está mal acostumado ou os personagens mais “antiquados” devem mesmo sofrer transmutações em suas personalidades para se adaptar aos novos tempos?
J:
É difícil, né? Hoje em dia a população não é a mesma, o palavreado é diferente, os pensamentos, as idéias… e eu tenho a impressão que tudo funciona muito bem, dá lucro e faz sucesso quando está dentro dos costumes da época. Flash Gordon hoje em dia não deve ser tão querido como ele foi. Eu tenho impressão que ao seu tempo tudo é muito bom, mas fora do seu tempo não funciona mais não. Para os saudosistas como eu, sim. Mas para uma pessoa de hoje, não.

AA: Qual sua opinião sobre a banalização do cinema através da febre dos DVDs? Afinal, hoje em dia, com a mania do DVD, qualquer pessoa pode ter acesso e eternizar suas lembranças do cinema e parece que aquela magia, aquele frio na barriga ao travar contato com o cinema, se perdeu bastante…
J:
Eu tenho impressão que sim. No meu caso eu prefiro muito mais comprar um DVD a ir ao cinema. Agora, existem aqueles que não abrem mão da tela. Mas no meu caso, eu prefiro ver os meus filmes no DVD com a minha telinha.

AA: O senhor acredita que o cinema ainda possua o dom de encantar as pessoas ou hoje é apenas uma máquina de gerar dinheiro?
J:
Ah, o cinema encanta sim. Encanta sim. Existem filmes que tocam na sensibilidade das pessoas. Alguns se encantam, outros até choram, como foi no caso dos Dez Mandamentos, que quando eu vi a primeira vez, eu estava servindo o exército na cidade de Itajubá, e foi feita uma sessão só para os soldados que serviam ao exército, em 1961. E eu fui ver Os Dez Mandamentos, e eu cheguei a chorar. Um soldado chorou dentro do filme Os Dez Mandamentos, em 1961! De tão bonito que eu achei. Hoje eu tenho esse filme, e eu lembro quando Moisés, lá no Mar Vermelho, levantava os braços e fazia tudo aquilo que tem no filme, hoje a gente vê aquilo com outros olhos, mas a primeira vez que eu vi aquilo dentro do cinema, eu cheguei a chorar. Então o cinema encanta sim. Mas atualmente, olha, eu não posso te dizer que os filmes de hoje encantam, porque eu não consigo ver um filme assim muito atual, porque a forma de eles levarem o filme não é aquilo que eu gosto, não é aquilo que eu gostei. Cada pessoa gosta de uma determinada situação, uma determinada coisa, e eu sou uma dessas pessoas que não se adaptou a certos modernismos, certas coisas que existem hoje, eu estou preso no meu saudosismo. Em termos de hobby, em termos de diversão, em termos de cinema, eu não consigo mais, na atualidade, ser sensibilizado por um filme. Não estou dizendo que eu estou certo, absolutamente. Aquele que consegue, sorte dele. Mas eu não consigo.

AA: O senhor já assistiu Cinema Paradiso? O que acha desse filme? Se identifica com ele de alguma forma?
J:
Esse filme é, na íntegra, eu quando era criança. Eu fazia exatamente aquilo que o Cinema Paradiso mostrava. Brigava pelos quadrinhos, tirava quadrinho na lata e mutilava, trocava, dava um valor terrível e chorava pelo cinema, era apaixonado pelo cinema. O filme Cinema Paradiso é a minha vida, é o xerox da minha vida. Eu trabalhava nas máquinas fazendo exatamente aquilo que no filme o operador fazia. É terrível ver o cinema decadente. Dia desses eu entrei dentro do cinema aqui da minha cidade, e vi ele completamente diferente, pintado, hoje é uma loja de móveis, eu fiquei muito abalado. Parece que me deu uma tristeza muito grande de ver que o cinema não existe mais. É como se alguma coisa estivesse errada, mas eu que estou errado. O mundo não pode parar nos rudimentos nossos, particulares. Ele tem que continuar. O cinema morreu. Está morrendo. Mas para mim, não. Para mim o cinema não morreu, porque tudo aquilo que eu vi eu tenho em dvd hoje.

AA: O senhor estaria interessado em adotar um sujeito apaixonadíssimo por cinema? Eu sou crescido, tenho trabalho próprio e quase não dou trabalho! (pequena interferência em um momento empolgação de nosso querido colunista Zarko)
J:
(risos) Se ele gostar de filme conforme eu gosto, mas é com muito prazer, é claro! Mas só se ele gostar de filme como eu gosto – porque eu tenho impressão que pode ser que exista alguém que goste de filme, mas igual a mim é meio difícil. Fala para ele vir aqui, quem sabe possa haver uma adoção!


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